Rosely Sayão
Aprendizado e angústia
Com o incentivo de um adulto, a criança consegue encarar melhor o difícil processo de aprendizado
Ficar concentrado em algo que exige muito de nossa atenção tem sido cada
vez mais difícil e doloroso. Vivemos num mundo que nos diz,
incessantemente, que precisamos ter satisfação logo, que a dor precisa
ser evitada e/ou suprimida, que a felicidade é a melhor escolha.
Quando tentamos nos concentrar em uma tarefa árdua, logo percebemos que
as distrações presentes em nosso entorno são, quase sempre, bem mais
sedutoras, não é verdade? Dá vontade de beliscar algo gostoso, de
atender a um telefonema nada importante, de ler as mensagens que
chegaram, de buscar algo na internet etc.
Pronto: está armada a cilada que tem como objetivo nos retirar da
situação incômoda em que estávamos. Ter de realizar algo que não é nossa
escolha no momento e que exige esforço e tempo de dedicação perturba,
angustia, provoca insatisfação. E é disso que queremos fugir.
Claro que, ao agirmos assim, a situação irá se complicar porque, afinal,
aquela tarefa precisará ser realizada mais cedo ou mais tarde. Aí é que
entra o exercício da maturidade. Realizamos um esforço ainda maior para
dar conta de nossa responsabilidade porque sabemos que ela é
intransferível.
A criança sofre esse contexto muito mais do que o adulto. Imagine, caro
leitor, uma criança ao fazer uma lição ou ao aprender algo que dizemos
que ela precisa saber.
Certamente você já testemunhou uma cena desse tipo. Ela decide apontar o
lápis, organizar seu material à mesa, pegar (dezenas de vezes) algo
necessário na mochila... Além disso, sente fome e vontade de ir ao
banheiro, olha para sua borracha e se lembra de uma outra que tanto
queria mas não tem.... E assim ela segue, sem saber que o seu
comportamento visa unicamente escapar da angústia que ela enfrenta.
Nós, que aqui estamos há muito mais tempo do que ela, fomos tão tomados
por esse mesmo contexto, que nem sempre nos damos conta de que a criança
precisa de nossa ajuda nesse momento. Ela precisaria saber, por nossa
condução, que ela pode comer mais tarde, que não precisa de tanto
material por perto, que a vontade de ir ao banheiro pode ser postergada
etc.
Ao contrário, tratamos de atender a todas as suas solicitações na
tentativa de "limpar" a situação para que a criança consiga, finalmente,
se dedicar ao que precisa. Tudo o que conseguimos ao agir assim é
estimular a criança a escapar de outros modos de sua missão.
Há um grupo de crianças que confunde a angústia que a toma nesse momento
com dor. Dor física: dor de cabeça, dor de barriga, dor na mão, por
exemplo, são reclamações frequentes de crianças que enfrentam a angústia
de ter de aprender algo.
Como a lógica médica passou a reger nossas vidas, damos toda atenção a
tais dores, que não são inventadas pela criança, é bom ressaltar: são
confundidas por ela.
Quase todas as escolas hoje têm enfermaria; a qualquer hora do dia, se
você passar por lá, caro leitor, encontrará alguma criança com tal
reclamação, tanto quanto muitas outras no banheiro, no bebedouro,
vagando pelos corredores.
Elas deveriam ser encorajadas a ficar em classe e a enfrentar a angústia
que o aprendizado provoca. Com nossa ajuda, com nosso apoio, com nossa
firmeza e carinho, elas podem enfrentar tal desconforto por conta
própria e seguir em frente.
O resultado seria o crescimento da autoestima, que se desenvolve à
medida que a criança adquire confiança em sua capacidade de colocar em
ato seu potencial.
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